24 março 2019

Dos laços líquidos que criamos

Mano, que saudade! Saudade de tantas coisas e pessoas e hábitos e sensações que não reconheço mais. Saudade de ter tempo para o tempo e para o mundo. Saudade de encontrar conhecidos desconhecidos no meio da rua. Saudade de mandar uma mensagem recíproca exatamente sobre... Saudade. Mais do que nunca sinto que ninguém percebe a vida. As pessoas estão sempre correndo, atropelando as palavras, carregando pesos absurdos que não lhes dizem respeito. O pior é que eu sou uma dessas pessoas, que sai na rua olhando para baixo, não cumprimenta com "bom dia" e tampouco com um abraço. Me transformei em uma pessoa líquida.
Outro dia, depois de um encontro regado a chope com alguns colegas, me vi sentada dentro de um carro com um desconhecido que me levava para casa. Ele olhava para o céu um tanto em dúvida, até que me questionou um "será se chove hoje, moça?". Imaginei que o assunto acabaria ali, com meu "talvez", mas não... Ele me contou sobre seu dia e que estava ansioso para conhecer uma pessoa mais tarde. Perguntou se roupa social era muito para um primeiro encontro e se eu tinha alguma dica "de amiga, sabe como é, né?" para ele não pisar na bola. Compartilhou comigo o lugar que iria e a banda que tocaria por lá. 

Descobri que o rapaz estudava Arquitetura na Federal e que se formaria dali alguns meses. Ele estava empolgado com o curso, mas, assim como qualquer um que esteja prestes a se formar, também sabia dos percalços que precisaria enfrentar para encontrar um emprego bacana na área. Porém, em seus plenos 25 anos, já tinha um plano B caso suas escolhas dessem errado. Quem sabe tentaria um concurso público ou seguiria os passos da mãe, uma Advogada que "sabe extremamente o que quer", como ele mesmo me disse. Não queria precisar fazer outra faculdade, afinal, todo mundo que faz uma sabe que é "só um diploma pendurado na parede".

Em meia hora de percurso conheci seu gosto musical com tendência para o rock, soube da sua preferência por um sábado jogando futebol com os amigos e até a marca da cerveja favorita. O cara abriu o coração com uma facilidade tão grande que quase me senti em casa, torcendo pelas conquistas que provavelmente ele vivenciaria pelos próximos dias, meses ou anos, talvez. Mas, também, me dei conta de que há meses não havia tido uma conversa parecida com ninguém. Há meses meu convívio social se baseia em um "hey, tudo bem por aí?". Para falar bem a verdade, eu não conheço as pessoas com quem me relaciono atualmente. Não sei sobre as preferências, se gostam de comédia ou terror. Não sei se preferem doce ou salgado e se gostam de frio ou calor. 

Me transformei em uma pessoa líquida, assim como todo mundo.

16 comentários:

  1. Engraçado ler isso e ter me sentido péssima há um mês atrás justamente por ter sentido que me abri demais para pessoas que eu não conhecia. No uber ahaha acho que passo tanto tempo sozinha que quando aparece alguém eu me empolgo. Pra mim a experiência foi estranha, mas esse tipo de interação pode acender luzinhas na cabeça das pessoas que a gente nem imagina.

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    1. E como pode, viu? Acho que é uma forma de entendermos que precisamos nos abrir mais, porém, saber escolher com quem fazer isso. Há os que se importam, assim como há os que realmente não ligam. Espero que esteja bem ♥

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  2. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI. ♥
    soltei um suspiro aqui. Que delicinha de texto e de cumplicidade!

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  3. Nossa, ler isso foi reconfortante e deu um apertozinho no coração, tudo ao mesmo tempo haha
    Me identifiquei super, até porque, neste momento agora e nessa fase atual da minha vida ando tão ligada a meus projetos e preocupações, mas às vezes parece que não estou aproveitando outras coisas, como a presença de outras pessoas. Esse texto me ajudou a ver que posso e quero prestar mais atenção nisso, buscar mais isso, mesmo que seja difícil. Acredito que conseguimos fazer isso :)
    Obrigada por esse momento doce e acolhedor. Seus textos aquecem o coração ❤

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    1. Obrigada pelo carinho imenso ♥♥
      A gente pode e deve sempre dar atenção aos que estão por perto. Acho que nunca é demais parar e ouvir o que o outro tem a dizer, mesmo que isso não seja parte do nosso ideal.

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  4. Olá
    Aquele texto que você termina de ler com aquela cara de "que tapa na cara, mermão". As nossas relações humanas são cada dia mais mantidas somente no básico, o necessário para continuarmos seres sociais.

    Vidas em Preto e Branco

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    1. Exatamente, e isso é triste, não é? A gente meio que vai levando, empurrando, torcendo para que ninguém perceba. Precisamos de mais do que isso ♥

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  5. Nossa!!! Quando terminei de ler o texto fiquei questionando onde eu me encaixava. Acredito que estou do lado das pessoas que andam rápido demais, que não olham pro lado, que sorri e solta só um "to bem". Eu sinto tanta saudade de conversas longas e íntimas com desconhecidos. Sei lá, anda tudo tão estranho!

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    1. E anda mesmo. Tá tudo meio revirado, meio corrido, meio atropelado. Espero que isso mude em algum momento, e que a gente tenha coragem de mudar junto ♥

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  6. Que texto impactante pra mim. Eu simplesmente amei. Como com o cotidiano corrido as pessoas, a essência algumas vezes vai ficando esquecida num canto e acabamos virando um robozinho sem demonstrar o que estamos sentindo ou simplesmente nem sabemos o que realmente estamos sentindo.
    Quero ler sempre textos aqui.
    Beijocas.

    https://www.parafraseandocomvanessa.com.br/

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    1. Que delícia ler isso, moça ♥ Sim, a gente esquece a vida, as pessoas, a essência de tudo isso... Quem dera fosse diferente.

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  7. Que triste, no final todos somos assim. Um dia estava eu, entregando currículo e fui perguntar pro cara se ele tava entregando currículo tbem, daí que kkk :v acabou... Eu fiquei com vergonha pq ele me olhou como se tipo "td bom? Não tá na cara que eu tô entregando currículo? O que mais que tu quer que eu fale?" Sai de perto, afinal o cara era mais velho mesmo, tipo pra que ele ia querer conversa cmg, com cara de criança? Continuei entregando meus currículos, mas tipo bem que a gnt podia ter entregado junto e ele ter me dado algumas dicas de onde eu poderia ter entregado. Kkkk Poderia até mesmo ter pego contatinho, ter sido amigos de não se falar muito, mas a ahh sei lá....

    Bjs

    https://teckafanfics22.blogspot.com/

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    1. Aí que mora o problema, né? A gente sempre acha que o outro está sendo inconveniente, invadindo nosso espaço pessoal. Às vezes, nem é isso, o outro só quer se aproximar... Não há mais inocência nas relações.

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  8. Que tapa na cara esse post! Não dá muito trabalho para ser líquido.Ás vezes a gente quer aquilo que a gente mesmo não dá. Preciso me policiar. Obrigada pela chamada feita com graça e firmeza na medida certa.

    www.lolahurricane.blogspot.com

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    1. E não é, menina? A gente espera o melhor dos outros, mas, na maioria das vezes, não se doa na mesma medida, infelizmente. Fico muito feliz que tenha gostado do texto ♥

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