Uma cápsula do tempo

"Caro leitor do futuro distante,

em quinhentos anos talvez o mundo já tenha acabado, virado pó ou se perdido na galáxia por conta de alguma explosão nuclear. Com tantas coisas acontecendo no momento em que escrevo esta carta, imagino que a possibilidade de terem encontrado um novo planeta para habitar seja mais provável do que alguém ter minhas escritas em mãos, mas a esperança ainda é a última que morre, não é? Espero que isso seja uma regra infinita, porque é a única coisa que nos move, de fato. E antes que se pergunte qualquer coisa, lhe explico de antemão que só quero compartilhar um tantinho da vida que se segue em pleno século XXI.

As coisas não andam muito bem por aqui. Ninguém mais tem tempo para nada, e isso pode soar clichê vindo de uma pessoa ansiosa como eu, mas... Posso te contar um segredo? Isso é péssimo!

Tenho quase 20 anos e ainda não consegui tirar um único dia para dizer "sim" às coisas que quero. Todos temos medo do incerto, do que pode acontecer em cinco minutos de desatenção. Optamos por nos afogar em afazeres porque é mais prático, mais aconchegante ou confortável. Sinceramente? Sinto falta da presença, do calor humano. Aliás, as pessoas também não acreditam mais no amor, sentimento este que quem sabe você desconheça, mas que talvez possa um dia ser resgatado.

O pó que está dentro da caixa provavelmente é das flores que separei cuidadosamente e que devem ter secado por causa do tempo. De qualquer forma, elas eram muito bonitas. O jornal velho e amarelado traz uma reportagem sobre o inicio do fim (talvez você venha a entender um dia). Já a garrafa é de um vinho tinto suave e adocicado que tive a honra de provar e que, por sorte, quanto mais velho fica, mais gostoso se torna. Não sei se ainda está bom, espero que esteja e que goste, pois era o meu preferido.

Se procurar um pouquinho mais, também irá encontrar um caderno. Era o meu companheiro para todas as horas e me atentava sobre a vida. Contém citações, trechos e frases que me ajudavam a encarar os dias de forma mais leve. Há também uma pedra, que por mais inútil que seja, tinha um valor sentimental enorme para mim. Uma recordação, apenas. Tudo bem se quiser jogá-la fora.

As letras e melodias estão cada vez piores, então sinto muito pela forma como irá encontrá-las depois de tanto tempo. Também coloquei um pen drive com algumas das minhas músicas favoritas dentro da caixa, para o caso de querer conhecê-las. Os filmes, em contrapartida, estão cada vez melhores. É uma pena eu ter de perdê-los, mas, se por um acaso já tiverem inventado uma máquina do tempo ou um instrumento para a imortalidade, pode me convidar para ver um lançamento um dia. Eu adoraria fazer companhia!

No mais, tenho certeza de que pouca coisa mudou. Talvez o mundo seja um tanto futurista por aí, seria legal poder andar com carros voadores ou mochilas à jato, mas, cá entre nós, ainda prefiro o agora. Só gostaria mesmo de lembrá-lo sobre as coisas simples, sobre coisas que, provavelmente, foram esquecidas. Sobre as pessoas. Aliás, descobri recentemente que sou uma péssima escritora, então peço desculpas pelas bobagens sentimentais, mas é que o coração sempre fala mais alto, sabe? Coisa boba.

Enfim, espero que as coisas por aí estejam boas, ou que pelo menos encontrem uma forma de deixar tudo melhor. Se em um dia qualquer puder me contar mais, adoraria ouvir. E se estiver chovendo, por Deus, tome um banho de chuva por mim, porque você não é feito de açúcar, tenho certeza!"