Pega sua solidão e dança, morena

Nunca havia aprendido a lidar com a solidão. Era como uma algema que a segurava ali, parada, estagnada em um momento que não era dela. A fazia se agarrar com o travesseiro durante a noite e chorar como se houvesse perdido algo importante, talvez à si própria no meio de tanta gente. Soluçava baixo para que ninguém a ouvisse, para que não tivesse de responder perguntas curiosas que, na verdade, não explicariam as lágrimas escorrendo pelo rosto.

Mas ela sabia exatamente o que levava no coração. Gostaria — perdidamente e desesperadamente — poder se sentir inteira. Gostaria de sair pelas ruas deixando rastros, resquícios. Gostaria de fechar os olhos e acreditar em outras coisas além de sorrisos forjados. Gostaria que as pessoas também passassem a vê-la. Permanecer com a alma completamente despida e satisfeita de maneira que pudesse causar orgasmos de felicidade em corpos alheios.

Só que as vezes é complicado se fazer enxergar em pessoas que nem mesmo se reparam. Pessoas vazias, ocas.

Poderia eu, aqui de longe, lhe contar cada detalhe sobre você. O quanto fica bonita quando está concentrada mordendo a tampa de uma caneta qualquer. O quanto se ilumina toda vez que olha pela janela e dá um sorriso bobo contemplando as estrelas. Poderia eu lhe dizer o quanto o mundo se enche de alegria quando coloca sua música favorita e começa a cantar descontroladamente usando uma escova como microfone, depois olha ao redor com vergonha e ri de si mesma. O quanto suas comemorações tolas a fazem se diferenciar em uma multidão. Poderia eu lhe dizer o quanto sua solidão lhe cai bem, porque seria uma verdade única.

Não sou nada além de você mesma. Talvez não me ouça. Talvez não se faça entender enquanto grito, mas é que quem olha assim por fora, sempre vê algo pelo qual nos fazemos cegos. É que você, sozinha mesmo, poderia mudar o universo inteiro apenas com um sorriso de orelha à orelha. É que a sua solidão lhe diz muito sobre quem é, sobre o que acredita e no que vale a pena confiar. É que estar sozinha tem lá suas vantagens, morena, e loucuras também.

Pega essa sua indiferença, junta com a solidão e dança igual como faz quando escuta sua melodia tocando ao longe. Faz seus passos coreografados e dá um riso gostoso. Só não esquece de guardar isso. De guardar essa lembrança.

É que a solidão lhe cai bem, morena, vê se aprende isso de uma vez!