10 agosto 2020

Desaprendi a andar de bicicleta

Por vezes a gente se perde. Não como quem está fazendo uma trilha e não presta atenção nas placas pelo caminho, então acaba parando em um lugar qualquer, mas com uma vista incrível. É mais como quando realizamos uma tarefa depois de muito tempo, e não temos mais certeza se é assim mesmo que se faz. No caso de uma receita de bolo, basta pegá-la novamente e as coisas voltam a se encaixar. Porém com a vida não funciona assim.

Algumas situações me parecem surreais. De um dia para o outro você perde as estribeiras e não faz ideia de para aonde está indo. O que fazia sentido de repente é uma completa loucura, enquanto o que não se encaixava mais se torna uma possibilidade acolhedora. O problema disso não é exatamente o que é, mas o que faz a gente sentir. É o aperto no peito, os olhos marejados e aquela sensação ruim de que você simplesmente se perdeu.

Me sinto culpada por causos que talvez eu nem tenha culpa, mas ainda assim me responsabilizo e imagino que tudo poderia ser diferente se eu mudasse aqui e ali. Quem sabe seja essa a questão, entende? 

Ultimamente tenho a percepção de que qualquer fagulha que me impulsiona para frente, em algum momento se apaga no meio do percurso. E aí que eu não sei como acender novamente. A opção mais viável é voltar à estaca zero, só que essa volta me desestabiliza de um jeito, que qualquer atitude que tomei até então deixa de fazer sentido.

É como quando a gente aceita uma tarefa mesmo sabendo que ela é complicada de realizar, mas tivesse coragem o suficiente para tentar. De uma hora para outra, entretanto, as instruções deixam de ser coerentes e as peças parecem erradas. No fim, você acaba se sentindo incapaz de finalizar porque... Não sei, sabe?

Acho que é isso. Não sei de nada, e quando acho que aprendi uma lição, a vida vem e mostra que não fiz mais que minha obrigação. E dói entender isso. Talvez tenha desaprendido a andar de bicicleta, e olha que dizem que isso nem é possível.

21 maio 2020

Mudei muitas vezes desde então

A gente muda. Constantemente. E isso é bom, sabe? Não ando reclamando não. A verdade é que a gente muda o tempo todo, a respeito de qualquer assunto. Sobre nós mesmos, inclusive. Mudamos porque tem que ser assim. Porque a vida é maleável, e nós também. Mudamos porque uma hora a zona de conforto se torna muito pequena para tudo aquilo que queremos ser. Mudamos porque "[...] quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então".
Faz mais de um ano que não escrevo por aqui. Faz mais de um ano que abri o blog e pensei "o que diabos ando fazendo?". Prometi que não voltaria até me sentir pronta. Até ter coragem novamente para abrir uma página em branco e escrever a vida. Até ter coragem de parar de escrever para os outros, e começar a escrever sobre mim.

No começo do ano voltei, mas voltei aos pouquinhos, como observadora, tentando descobrir o motivo de aqui não ser mais lar. Descobri, assim, que o porquê era bem óbvio: não escrevo mais para que alguém leia... Nunca fiz isso, para ser sincera. Escrevo porque tenho uma necessidade minha, muito particular, de colocar em palavras escritas aquilo que não consigo dizer. Veja bem... Sou uma jornalista, mas nunca soube lidar com as palavras faladas. Elas me dão arrepio.

E nisso de me perder, acabei me encontrando novamente. Talvez um pouco mais velha, um pouco menos estressada, um pouco mais preparada para ter coragem outra vez. E não me arrependo do hiato. Até gostaria que ele tivesse acontecido antes. Que ele tivesse me chamado para jogar conversa fora em uma mesa de bar, às três da tarde de um domingo.

Termino isto aqui com o significado de "insolitez", derivado da palavra "insólito". Trata-se de algo raro, incomum, que não se apresenta de maneira habitual. Algo extraordinário, do jeitinho que imagino que a escrita deva ser.

24 março 2019

Dos laços líquidos que criamos

Mano, que saudade! Saudade de tantas coisas e pessoas e hábitos e sensações que não reconheço mais. Saudade de ter tempo para o tempo e para o mundo. Saudade de encontrar conhecidos desconhecidos no meio da rua. Saudade de mandar uma mensagem recíproca exatamente sobre... Saudade. Mais do que nunca sinto que ninguém percebe a vida. As pessoas estão sempre correndo, atropelando as palavras, carregando pesos absurdos que não lhes dizem respeito. O pior é que eu sou uma dessas pessoas, que sai na rua olhando para baixo, não cumprimenta com "bom dia" e tampouco com um abraço. Me transformei em uma pessoa líquida.
Outro dia, depois de um encontro regado a chope com alguns colegas, me vi sentada dentro de um carro com um desconhecido que me levava para casa. Ele olhava para o céu um tanto em dúvida, até que me questionou um "será se chove hoje, moça?". Imaginei que o assunto acabaria ali, com meu "talvez", mas não... Ele me contou sobre seu dia e que estava ansioso para conhecer uma pessoa mais tarde. Perguntou se roupa social era muito para um primeiro encontro e se eu tinha alguma dica "de amiga, sabe como é, né?" para ele não pisar na bola. Compartilhou comigo o lugar que iria e a banda que tocaria por lá. 

Descobri que o rapaz estudava Arquitetura na Federal e que se formaria dali alguns meses. Ele estava empolgado com o curso, mas, assim como qualquer um que esteja prestes a se formar, também sabia dos percalços que precisaria enfrentar para encontrar um emprego bacana na área. Porém, em seus plenos 25 anos, já tinha um plano B caso suas escolhas dessem errado. Quem sabe tentaria um concurso público ou seguiria os passos da mãe, uma Advogada que "sabe extremamente o que quer", como ele mesmo me disse. Não queria precisar fazer outra faculdade, afinal, todo mundo que faz uma sabe que é "só um diploma pendurado na parede".

Em meia hora de percurso conheci seu gosto musical com tendência para o rock, soube da sua preferência por um sábado jogando futebol com os amigos e até a marca da cerveja favorita. O cara abriu o coração com uma facilidade tão grande que quase me senti em casa, torcendo pelas conquistas que provavelmente ele vivenciaria pelos próximos dias, meses ou anos, talvez. Mas, também, me dei conta de que há meses não havia tido uma conversa parecida com ninguém. Há meses meu convívio social se baseia em um "hey, tudo bem por aí?". Para falar bem a verdade, eu não conheço as pessoas com quem me relaciono atualmente. Não sei sobre as preferências, se gostam de comédia ou terror. Não sei se preferem doce ou salgado e se gostam de frio ou calor. 

Me transformei em uma pessoa líquida, assim como todo mundo.
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